Capítulo 4 – O Castelo
Quando Leander retornou para ver Sâmia, ele a encontrou enrolada numa toalha.
– Sâmia, pensei que estaria pronta.
– Eu não sei o que vestir, o que devo usar?
– Tudo que está neste quarto é para seu uso pessoal, escolha o que quiser. Vou executar mais algumas ordens e volto em minutos para te levar.
Embora estivesse num lugar que detestasse com aquele homem que detestava, ela não podia negar a satisfação que tinha por ver todos aqueles trajes, a decoração. Estava vivendo um conto de fadas. Por quantas vezes em sua infância se imaginou morando em um castelo com um lindo príncipe, mas o que conseguira era estar em um castelo com um demônio; isso sim.
Ela se encheu de raiva pelos sonhos frustrados e puxou um vestido qualquer.
Leander e Sâmia atravessaram o longo corredor e alcançaram a escadaria. À medida que avançavam, ela se encantava ainda mais com o que via: as paredes em pedras rústicas eram iluminadas por grandes tochas fixadas em um ornamento de mármore, embora estivessem apagadas durante o dia.
Começaram a descer a escadaria de madeira forrada com um carpete vinho; pelas paredes havia decorações em gesso, antigos cavaleiros e damas que passeavam com suas aias.
Ela contou o total de três lances de escada e, como que lendo seus pensamentos, Leander falou:
– Essa é a área real do castelo; na Ala Sul ficam apenas quem o rei considera pessoas especiais, ou seja, ninguém – ele disse em um sorriso amistoso.
– Não é verdade – ele continuou – os reis e rainhas dos demais reinos ficam nessa Ala quando chegam, já os demais nobres ficam sempre entre a Norte e a Oeste; a Ala Leste é praticamente reservada aos criados e ao exercito pessoal.
– Você está no terceiro andar; o quarto do rei fica no segundo e, o dia que quiser me encontrar, estou aqui – disse, apontando para a primeira porta do lado esquerdo no primeiro andar.
– Aqui chamamos de Área Transitória. Pode ser confuso no começo, pois, se começar contar do Hall de Entrada, você não estaria no terceiro andar e, sim, no quinto, mas, se começar a contar a partir do primeiro piso reservado aos quartos, estará no terceiro. Aqui chamamos assim, pois não estamos no Hall e nem nos dormitórios; temos aqui várias salas, algumas de jogos.
Sâmia sentiu seu corpo retrair e Leander, percebendo o que havia dito, apressou-se em dizer:
– Mas é claro que prefiro te mostrar algumas esculturas.
E a levou para outra sala para mostrar algumas coleções. Por um momento, ele esquecera que o tormento dela havia começado jogando os jogos do rei.
Na sala de refeições, o rei, sentado à mesa, conversava com sua governanta.
– Alethea, mande servir o almoço e não se esqueça de checar se todos os convidados das Alas Norte e Oeste estão sendo bem recebidos.
– Claro, Majestade.
– Tem certeza que não precisa de ajuda? Entendo que com o noivado está tendo muito mais ocupações.
– Não, meu Senhor, está tudo na mais perfeita ordem.
O rei se levantou e estava saindo quando Aédi, que ouvia a conversa, o chamou.
– Meu Senhor, a jovem que está com Leander…
– Sim?
– Ela precisa de uma ama, posso servi-la?
Jahean a olhou demoradamente. Era óbvio que ela nada mais queria além de descobrir o que Leander fazia com uma mortal no castelo. Por outro lado, conhecendo Aédi sabia que qualquer coisa que Sâmia fizesse ele seria o primeiro a saber.
– Que seja.
– Obrigada, majestade.
Ele não a ouviu agradecer, já fazia suas botas ecoarem pelo castelo rumo a seu escritório.
Leander fez as apresentações à governanta que olhava Sâmia curiosamente. No entanto, extremamente discreta e competente como era, não deixou transparecer nenhuma emoção; foi gentil em seus cumprimentos e mandou que o almoço fosse servido a eles e depois foi cumprir as ordens do rei. Aédi entrou assim que viu que eles se encontravam sozinhos.
– Leander, sua majestade me ordenou que servisse de ama a sua convidada.
Sâmia olhou para aquela mulher a sua frente e imediatamente soube que algo estava errado. Seus olhos eram sarcásticos como os do rei e seu tom de voz era nada mais que arrogância.
– O quê? Não, eu mesmo cuidarei para que ela tenha uma dama de companhia.
– Creio que não me entendeu, estimado Leander, foram ordens do rei, não acredito que esteja contestando uma ordem de sua majestade, certo?
Leander estreitou os olhos e Sâmia teve certeza de suas suspeitas. Ali estava uma criatura que tornaria sua estada ainda mais desagradável.
– Foi o que pensei – ela disse, perante nenhuma resposta de Leander e saiu da sala, dizendo que iria ao encontro de Sâmia dentro de duas horas para instruí-la sobre os costumes do castelo.
– Quem é essa mulher? – Sâmia perguntou assim que a criada saiu.
– A maldade em pessoa – disse Leander, contrariado.
– E claro que a melhor amiga de Jahean.
Leander pareceu surpreso e virou-se para ela.
– Não, tem uma opinião errada sobre o rei, ele não é amigo de Aédi e tampouco gosta dela.
– É mesmo? E por que a escolheu para me acompanhar? No mínimo para me manter longe do caminho dele.
– Talvez, mas eu acredito que a ideia tenha partido dela e não dele. Ela é do tipo que não se aguenta enquanto não se intera de todos os assuntos e se satisfaz apenas quando está passando informações sobre as pessoas.
O almoço transcorreu tranquilo, e Sâmia ainda não podia acreditar que estava novamente naquele mundo. Por mais que fosse difícil para ela admitir, desta vez a estada estava muito mais agradável: ela estava dentro do castelo e não perdida na floresta, rodeada de demônios e lutando por sua vida.
Outra coisa que chamou a atenção dela instantaneamente foi os peões do tabuleiro que conheceu no passado e não estavam mais ali. Eles tinham cerca de um metro e meio e tinham vida própria. Ela nunca chegou a pensar que existissem pessoas naquele mundo além de Jahean, e agora, com tudo que havia visto desde que chegara, ela começava a achar que nunca mais veria as peças de tabuleiro ou o leão que encontrara na floresta bem como nenhuma das outras criaturas com quem compartilhou horas de desespero.
“Ele deve ter criado tudo apenas para me atormentar” – ela pensava enquanto observava o movimento dos criados.
Também havia Leander, que parecia ser tão gentil, tão diferente daquele maníaco que a aterrorizava apenas por prazer.
– Tenho uma hora antes de voltar as minhas obrigações, quero lhe mostrar o jardim.
Sâmia sorriu. Ele sim era um homem que sabia tratar as mulheres. Agora que já estava começando a se acostumar de estar ali novamente, pôde perceber o quanto ele era bonito, apenas um pouco mais baixo que o rei, mas com um corpo escultural e os longos cabelos loiros; e aqueles olhos azuis que, quando sorria, tinham um brilho ainda mais intenso.
Eles deixaram a Sala de refeições e passaram pelo Hall de Entrada, era imenso. Ela ficou se perguntando quanto tempo eles deveriam perder somente em percorrer cada cômodo. Na entrada do castelo havia duas enormes portas de madeira abertas e, ao lado de cada uma, estava um guarda lindamente uniformizado.
– Isso parece um sonho.
– Olha só! Para quem não queria vir, até que sua estada não está sendo assim tão desagradável.
Leander sorria.
– É, mas não posso esquecer por que estou aqui e essa é a parte mais desagradável.
– Venha, vou lhe apresentar um dos guardas.
Assim que se aproximaram, os guardas fizeram reverência aos dois e Leander os apresentou.
– Estes são Dione e Leonas. Se precisar de qualquer coisa que venha de fora, como roupa, sapatos ou qualquer objeto de uso pessoal, peça a Leonas – disse, apontando ao guarda de sua direita.
– Ele fará com que chegue até você o que pedir. Além de fazer parte da guarda real, é um dos nossos melhores homens.
Leander colocou a mão no ombro de Leonas, que sorria satisfeito.
– Obrigado, senhor.
Eles desceram os degraus de pedra e foram em direção ao jardim.
O gramado era de um verde claro e muitas flores decoravam o local, a fonte branca se destacava no meio de tantas cores.
– Nunca imaginei que aqui pudesse ser tão lindo…
– Há muito mais para ver, mas não tenho muito tempo, embora não nos faltará oportunidade.
– Não ultrapasse aquelas árvores – Leander disse, apontando ao norte.
É claro que ela não tinha a menor intenção de voltar ali, era exatamente o último lugar para onde ela iria; já tivera muita sorte de sair viva uma vez.
– O caminho é difícil e acabaria se perdendo – ele continuou.
Mas ela sabia que não era somente o risco de se perder que havia naquela floresta.
Eles se sentaram nos bancos e ficaram conversando mais um pouco, enquanto apreciavam o lindo dia de sol. A vista do castelo do lado de fora era muito maior do que se lembrava. Embora nunca estivesse chegado tão perto, não imaginava que seria daquela forma. Tentou contar os andares, mas os perdiam de vista.
– Há alguma coisa mais que precise antes de eu ir?
– Poderia arrumar uma sala para mim? Não precisa ser grande, um lugar onde eu possa pintar alguns quadros.
– Mas é claro que sim; até amanhã terá o que precisa, mas agora preciso ir, não quero aborrecer Jahean. Vou levá-la de volta e lhe mostrar a biblioteca.
Sâmia se animou. Ela adorava ler e, sendo um castelo, podia imaginar quantos milhares de livros não teria disponível. Ela tinha certeza que o plano de Leander não daria certo: Jahean nunca se aproximaria dela e ela seria muito grata por isso. Então, tudo que tinha que fazer era passar três meses lendo, pintando e fazendo seu trabalho. Assim, quando o prazo terminasse, ela estaria de volta e completamente curada.
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