Escritor e blogueiro Leo Otaciano, autor dos livros: Loui, O Palhaço Medonho, Gabriel, A Ladeira, O Pimenta e Mistério na Casa da Rua Severin.
Resenha Crítica do Livro:
Brilhante e Reflexivo.
Hoje, em mais uma resenha, apresento a vocês um livro que representa muito bem um estilo diferenciado da literatura fantástica nacional, uma ficção que interpela a relação entre a magia da fantasia e o sentimento da realidade. ”Ciclos Eternos – Submundo” escrito pela autora Caroline Factum é uma publicação da Chiado Editora e como o próprio nome já expressa, estampa no leitor a convicção de que os momentos da vida são sequências duradouras e que, além do que se pode ver, há um equiparável espaço que o psíquico torna existencial à medida em que o ser o permita análoga conquista. O livro, sem dúvida, revolveu de uma maneira boa as minhas ideologias fantásticas e reais sobre a exterioridade do ser e do universo paralelo. Vou apresentar a vocês o que encontrei enquanto caminhei pelo Submundo relatado nos Ciclos Eternos.
De início o leitor é apresentado a Sâmia, protagonista que demonstra certos transtornos psicológicos após viver uma deslocação a um universo desconhecido. Essa sua ‘viagem’ ao meio paralelo não é logo mencionada nas primeiras folhas do livro mas tudo vai sendo devidamente clarificado e sem demora o leitor entende o motivo que a leva a viver a base de medicamentos. Sâmia é considerada pelos médicos desequilibrada e louca desde os seus treze anos. A própria personagem chega a duvidar de sua sanidade intelectiva em alguns momentos e isso lhe dá uma característica um tanto deprimente ao início da história. Em relação a leitura, o que se encontra nos primeiros capítulos de ”Ciclos Eternos” torna-se absurdamente uma dependência psicológica para o leitor, no melhor dos sentidos, pois ele não consegue desgrudar por um minuto sequer de seu impresso. A autora tem uma escrita suntuosa e surpreende pela capacidade de causar no leitor uma sensação inquietante ao apontar o psíquico da protagonista, exibindo possíveis lapsos na gênese de sua aparição e na sequência de desenvolvimento, uma intelecção diferenciada.
Falando em psicológico, este é um dos eixos que mais atrai no livro. O toque dessa temática não é excessiva e nem exposto de maneira bruta. Digamos que o livro pode ser fragmentado em três quotas, a primeira antecede o núcleo principal fantástico vivenciado pela protagonista e maior parte dos personagens, a segunda que é de fato o eixo de todo o enredo e a terceira que sucede esta base e finaliza o romance. Na parte inicial se pode caminhar tranquilamente dentro do psíquico de Sâmia, conhecendo suas dores, medos, desejos e pensamentos mais incomuns. As abordagens de suas visões, sonhos e ilusões são claras para o leitor e ele se sente a cada minuto parte desse misto paralelo mostrado pelo produto da alquimia ficcional, o narrador. A impressão inicial é de que Sâmia é mesmo uma garota que, apesar de se comportar normalmente no seu dia a dia, trabalhando em um jornal local como crítica literária analisando livros de magia e ficção, ostenta uma tendência depressiva, ”Mesmo sabendo que a magia deveria ficar fora da sua vida e que ela fora a causadora de toda má sorte que a acometeu nos últimos seis anos, ainda assim era o que ela gostava e o que ela sabia fazer de melhor.” Nem mesmo Margarette, de 55 anos, viúva, vizinha que tinha extrema simpatia por Sâmia, poderia imaginar todos os tormentos que ela vivia e toda a fantástica história que viveu.
O modelo de enredo de ”Ciclos Eternos” é incrível. A distração mental, os pesadelos, a insônia e a teórica — loucura — da protagonista são entendidas, às vezes, como resultados de alguma perda. ”O susto deu lugar a uma imensa tristeza, todos seus sonhos se misturaram e ela já não sabia mais o que era sonho ou realidade.” Logo, a aparição de Leander, um estranho habitante de Sunset, transfere imediatamente o leitor para o segundo eixo dessa tão bem arquitetada consonância literária, o deixando mais confortável em relação aos comportamentos da protagonista, que cruza a barreira que separa realidade e fantasia, e adentra mais uma vez ao mundo que já conhecia há anos, o Submundo, regido pelo imperador Jahean. A partir de então, a protagonista se sente pronta para desempenhar um papel importante em uma missão projetada por Leander e dessa forma a estrutura de retratação do ser passa a se evolucionar de maneira brilhante.
A perfeição na escrita de Caroline Factum, harmonizando a leitura e, ao mesmo tempo, deixando-a com uma postura poética, induz o desejo de agarrar essa realidade alternativa, que carrega algumas semelhanças com o modelo construtivo de ”As Crônicas de Nárnia” por exemplo, onde a magia se faz presente e seres advindos de outras ambientações participam efetivamente na reconstrução e evolução da protagonista diante de episódios necessários que pendem esse progresso. Os personagens foram bem assimilados ao enredo e demonstram suas sabedorias e sentimentos.
”[…] Não era apenas em seu mundo que se podia sentir a energia de pessoas negativas, ali também ela pode constatar um terrível mal-estar ao ficar próxima de Aédi.”. A fantasia reflete-se à realidade e vice-versa, revelando que não importa para onde seja a fuga, os seres sempre apresentarão aspectos de existência e comportamento similares.
Com a leitura, percebe-se que a protagonista passa a se sentir melhor no mundo fantástico do que no mundo real, comportando-se no Submundo com muito mais vivacidade e persistência em cumprir o seu papel. É como um verdadeiro ponto de escape onde ela definitivamente se encontra como pessoa e descobre a magia das coisas, a ternura das pessoas e as parcelas de maldade em cada um. Um reencontro e aprendizado sobre o lado bom e ruim do ser. Uma ‘viagem’ que lhe serviu como uma superação de seus maiores medos também. A descoberta de normas e condutas que, no mundo real, se escondem entre a cruel realidade. O real sentido da amizade verdadeira, do sentimento mais singelo. A fantasia é usada para evidenciar que os sonhos precisam ser parte do ser e que eles precisam ser vivenciados; para isso é necessário jamais deixar que esse fulgor se dizime. Na verdade, muitos estão fazendo o contrário; ou vivem somente em seus submundos ou os apagam de vez de seus quotidianos. A magia é como um mundo dos jogos e você precisa mover as peças corretas para vencer os obstáculos que impedem o uso desse elemento a seu favor. É necessário viver a mágica. A história é constituída de maneira sólida mas o abstrato é usado para simbolizar os segredos do psíquico.
O personagem Leander estava certo quando informou a Sâmia que ela se surpreenderia com o rei Jahean, essa surpresa também ficou registrada em mim. ”Ela jamais pensara ver o rei correndo feito um adolescente entre as árvores, procurando cavalos para apostar corrida! isso era tão, tão comum… Não era um comportamento de um rei e, sim, de um homem.”. Também me surpreendi com a protagonista, que de estranha e problemática, evoluiu vistosamente moldando sua postura e progredindo como pessoa, exibindo qualidades como afeição, carisma, humanismo, romantismo e esperteza em vez de ingenuidade e do ar meio ‘bipolar’ que encontramos em muitas adolescentes do mundo atual. E ali, no Submundo, lugar onde muitos apagam as luzes e fecham as portas, ela descobre suas melhores qualidades, renova seus sentimentos e aprende diante das situações.
Os diálogos do livro são inteligentes, excitantes e brilhantes, dão credibilidade aos personagens, que ganham vida, luz e alma. Quanto aos capítulos, são expressivos e intitulados com indicações precisas. A diagramação da Chiado segue o modelo padrão de outros livros já produzidos. Alguns erros em relação a continuidade da fala nos diálogos são notados, assim como o uso do hífen em vez do travessão ao início de todas as falas. Contudo, no geral, o livro é ótimo e realmente merece 5 estrelas. Adorei o desenho da capa que representa muito bem o conteúdo do livro, que tem um desfecho agradável.
”A sensação do lugar foi algo que ela nunca imaginou sentir, sentiu que a vida vibrava por todos seus poros, e que a magia estava em volta fazendo parte dela. era uma paz infinita. O aroma doce, que a embriagava, estava em êxtase divino.”